Eu poderia escrever um livro com todas as histórias da família Isper. Nem todas tão engraçadas mas, sem dúvida, inacreditáveis. Meu pai é o filho mais velho, e o homem, de uma família árabe com 5 filhos. Logo, criou as outras 4 irmãs através da autoridade hierarquica de um irmão mais velho de qualquer família árabe que se preze.
Meu avô, um senhor forte, com uma saúde de ferro e vitalidade de botar inveja em muito rato de academia de 25 anos, é casado com a minha avó há 50 anos. Os dois vieram pro Brasil com sonhos e pouco dinheiro no bolso, lutaram muito até construirem um “palácio”na Joaquim Nabuco para trazer minha bisavó Dalaona, da Síria, pra cá. Quando ela entrou e viu a magnitude que meu avô havia construído, chorou de emoção.
Esse fim de ano resolveram que iam passar o natal nos Estados Unidos na casa de uma das minhas tias, onde se encontrariam com mais duas das irmãs do meu pai. Foram muitas festas e, sem dúvida, compras.
Na ida para o paraíso do consumismo meu pai convecera, depois de muito esforço, fazer com que cada um de seus pais levassem um mala extra, vazia. Minha mão foi ajuda-los a despachar tudo e entrega-los com carinho e pedido de atenção extra às nossas preciosidades. É, os papéis se invertem depois de um tempo!
É difícil saber quanto tempo foi exatamente que eles passaram longe, a saudade acaba deixando tudo meio sem perspectiva. Mas, as vesperas da volta, meu pai fazia uma reunião de cúpula através do skype, enquanto minha mãe lia qualquer coisa no seu Ipad.
O tópico era “o relógio” que meu avô tinha comprado.
A copa airlines®, em alta temporada, nao despacha caixa. O relógio, por sua vez, era grande demais. As malas já estavam absolutamente lotadas. E a questão era: como vamos levar “o relógio”?
As três, no outro extremo, gritavam ao mesmo tempo idéias variadas. Uma dizia pra tirar tudo e ir só o relógio. A outra dizia pra colocar o relógio junto com tudo que, garantia, dava e ainda sobrava. E outra dizia pra deixar o relógio e, completava, que era um absurdo comprar um relógio daquele tamanho.
Meu pai, do seu lado, fazia calculos metafísicos para a possibilidade ou não de trazer, embarcar ou despachar o bendito relógio. E meu avô insistia em levar o relógio na mão.
Depois de discutir, votar e segundo turno, decidiram que iam até o aeroporto tentar despachar a caixa e se não desse, pegariam uma mala extra e colocariam o relógio dentro da mala. E tenho dito.
Assunto ia, assunto vinha. Entao, está tudo resolvido. Vão duas malas e o relógio, qualquer coisa põe o relógio em uma mala extra. Todo mundo concordava e meu avô dizia com seu sotaque carregado: “então, pega e leva relógio na mão”.
Meu pai pedia pra que ele ouvisse com atenção e explicava todo o processo em voz alta e clara e, no fim o vovô dizia: “então, pega e leva relógio na mão”.
As outras tentavam fazer mímicas, atuações, desenhos e no fim: “então, pega e leva relógio na mão”.
Minha mãe só de espectadora, dava pequenas risadinhas, mas decidiu intervir e dizer para o meu pai deixar de lado e deixar o vovô fazer como quisesse.
Ele tinha colocado na cabeça que o relógio ia na mão, então deixa levar na mão.
Depois de resolvido, já começavam as despedidas e recomendações quando apareceu um computador que minha vó tinha comprado. Eles já tinham um volume extra e queriam levar o computador dentro da mala. Aí já foram outros calculos e outras soluções.
Mais uma vez achavam que já tinha tudo sob controle, resolveram pesar as malas. Põe na balança, converte pounds pra quilos e dá mais de 32 Kg. Abre a mala, tira as coisas, divide, redivide, fecha, pesa e ainda dá mais de 32 Kg.
Não sei quantos abre e fecha foram e aonde colocaram os quilos extras, mas no fim, estava tudo dentro dos conformes para embacarem sãos e salvos de volta pra casa.
Depois de tudo, o relógio foi despachado, as malas estavam certas e eles chegaram alegres e lampreiros na chuvosa Manaus.