sábado, 10 de setembro de 2011

O relógio do Gidô


Eu poderia escrever um livro com todas as histórias da família Isper. Nem todas tão engraçadas mas, sem dúvida, inacreditáveis. Meu pai é o filho mais velho, e o homem, de uma família árabe com 5 filhos. Logo, criou as outras 4 irmãs através da autoridade hierarquica de um irmão mais velho de qualquer família árabe que se preze.

Meu avô, um senhor forte, com uma saúde de ferro e vitalidade de botar inveja em muito rato de academia de 25 anos, é casado com a minha avó há 50 anos. Os dois vieram pro Brasil com sonhos e pouco dinheiro no bolso, lutaram muito até construirem um “palácio”na Joaquim Nabuco para trazer minha bisavó Dalaona, da Síria, pra cá. Quando ela entrou e viu a magnitude que meu avô havia construído, chorou de emoção.

Esse fim de ano resolveram que iam passar o natal nos Estados Unidos na casa de uma das minhas tias, onde se encontrariam com mais duas das irmãs do meu pai. Foram muitas festas e, sem dúvida, compras.

Na ida para o paraíso do consumismo meu pai convecera, depois de muito esforço, fazer com que cada um de seus pais levassem um mala extra, vazia. Minha mão foi ajuda-los a despachar tudo e entrega-los com carinho e pedido de atenção extra às nossas preciosidades. É, os papéis se invertem depois de um tempo!

É difícil saber quanto tempo foi exatamente que eles passaram longe, a saudade acaba deixando tudo meio sem perspectiva. Mas, as vesperas da volta, meu pai fazia uma reunião de cúpula através do skype, enquanto minha mãe lia qualquer coisa no seu Ipad.

O tópico era “o relógio” que meu avô tinha comprado.

A copa airlines®, em alta temporada, nao despacha caixa. O relógio, por sua vez, era grande demais. As malas já estavam absolutamente lotadas. E a questão era: como vamos levar “o relógio”?

As três, no outro extremo, gritavam ao mesmo tempo idéias variadas. Uma dizia pra tirar tudo e ir só o relógio. A outra dizia pra colocar o relógio junto com tudo que, garantia, dava e ainda sobrava. E outra dizia pra deixar o relógio e, completava, que era um absurdo comprar um relógio daquele tamanho.

Meu pai, do seu lado, fazia calculos metafísicos para a possibilidade ou não de trazer, embarcar ou despachar o bendito relógio. E meu avô insistia em levar o relógio na mão.

Depois de discutir, votar e segundo turno, decidiram que iam até o aeroporto tentar despachar a caixa e se não desse, pegariam uma mala extra e colocariam o relógio dentro da mala. E tenho dito.

Assunto ia, assunto vinha. Entao, está tudo resolvido. Vão duas malas e o relógio, qualquer coisa põe o relógio em uma mala extra. Todo mundo concordava e meu avô dizia com seu sotaque carregado: “então, pega e leva relógio na mão”.

Meu pai pedia pra que ele ouvisse com atenção e explicava todo o processo em voz alta e clara e, no fim o vovô dizia: “então, pega e leva relógio na mão”.

As outras tentavam fazer mímicas, atuações, desenhos e no fim: “então, pega e leva relógio na mão”.

Minha mãe só de espectadora, dava pequenas risadinhas, mas decidiu intervir e dizer para o meu pai deixar de lado e deixar o vovô fazer como quisesse.

Ele tinha colocado na cabeça que o relógio ia na mão, então deixa levar na mão.

Depois de resolvido, já começavam as despedidas e recomendações quando apareceu um computador que minha vó tinha comprado. Eles já tinham um volume extra e queriam levar o computador dentro da mala. Aí já foram outros calculos e outras soluções.

Mais uma vez achavam que já tinha tudo sob controle, resolveram pesar as malas. Põe na balança, converte pounds pra quilos e dá mais de 32 Kg. Abre a mala, tira as coisas, divide, redivide, fecha, pesa e ainda dá mais de 32 Kg.

Não sei quantos abre e fecha foram e aonde colocaram os quilos extras, mas no fim, estava tudo dentro dos conformes para embacarem sãos e salvos de volta pra casa.

Depois de tudo, o relógio foi despachado, as malas estavam certas e eles chegaram alegres e lampreiros na chuvosa Manaus.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A (não tão pacífica) visita ao Peace Palace



Depois de 6 meses de trabalho arduo, nao remunerado e sem folga, joguei tudo para o alto e resolvi passar 10 dias curtindo o “calor” do verão europeu. Deixei Manaus aos 38 graus e abri asas rumo a 24 horas de viagem e 4 conexões. Desembarquei numa Amsterdã surpreendentemente ensolarada e os termotros marcavam maravilhosos 20 graus.

Haia era meu destino final e como eu ficaria ancorada lá, deixei para visitar a cidade só nos últimos dias.

Dentre os pontos turisticos da cidade carinhosamente listados pelo meu host estavam o Peace Palace e dois museus. O mapa foi cuidadosamente marcado com marca-texto rosa-choque e o percurso me foi explicado e repassado antenciosa e minunciosamente.

Marquei minha visita ao Peace Palace com 2 dias de antecedencia pelo telefone e recebi as seguintes instruções : Chegar 15 minutos antes do horário agendado e levar um document válido com foto.

Estava ansiosa com as maravilhas que Haia ia me oferecer e a previsão do tempo com “chuva e ventos fortes” não me intimidou nem um pouco, afinal, eu vinha da rain forest até parece que alguns pinguinhos de chuva iam me assustar, não é mesmo?

Na manhã de quinta feira saí portando um tímido guarda chuva de 5 euros, minha mochila e uma roupa que nas passarelas de Paris seria definida como “meia-estação”.

Pela porta da frente do prédio a chuva não parecia muita coisa. Dei de ombros, abri o guarda chuvas e saí confiante.

O Peace Palace ficava a cerca de um quarteirão do local onde eu estava hospedada e, como eu não sou feita de açucar, uma chuvinha à tôa não ia me fazer mal algum.

Não precisei de mais que 10 passos para pensar que o talvez o tempo não fosse tão inocente assim. Antes da metade do caminho a chuva já havia enxarcado a minha calça até os joelhos. O guarda chuva virou do avesso mais de 5 vezes e me foi necessário calculos metafísicos e manobras precisas para faze-lo voltar ao seu formato original. A cada rajada de vento me sentia em uma cena de comedia, as voltas com meu artefato que mais parecia um para-raios.

Comecei a me sentir uma idiota segurando uma parafernalha inútil sobre o crânio se de onde se de onde menos vinha água era do céu. A chuva caía horizontalmente e os carros que passavam na rua faziam o imenso favor de desafiar as leia da gravidade e, como se não bastasse, me molhavam de baixo pra cima.

Meus lindos sapatinhos no tom perfeito de crème viraram o wet’n wild para os meus pés engilhados de tanto ficarem embebidos em águas gélidas.


Eu era um misto de tristeza e indignação quando avistei o bendito palácio.

Apressei o passo e cheguei junto com uma família Americana composta de um pai, uma bela mãe, uma avó jovem e quatro filhos, todos ainda mais enxarcados que eu – o que me parecia impossível.

No momento que adentramos uma pequena porta ao lado do imponente portão, faltavam exatos 15 minutos para a hora marcada. Estávamos ávidos por um pouco de abrigo, calor e terra firme, nos amontoamos empaticamente no infimo espaço que sobrava entre a minúscula porta e a imensa máquina de raio-x da segurança, e soltamos quase que em uníssono um longo e agradavel suspiro de alívio. Acho que foi a alegria mais efêmera de toda minha vida… A porta não havia nem fechado quando um dos seguranças nos avisou, com a típica “sutileza” holandesa, que deveriamos esperar do lado de fora (na chuva!) até a hora exata.

Desnorteados como em um naufrágio, voltamos para o pandemônio e esperamos, com uma paciência digna de um lord ingles, ensopados, com frio, na chuva, o tal do palácio abrir suas portas para nossa entrada.

Quando passamos, finalmente, pela segurança, tivemos que atravessar o imenso caminho a céu aberto que nos levava do portão até a porta de entrada.

Inrrompemos as portas que seguiam a escadaria com o desespero de mendigos famintos em dia de sopão e uma certa vergonha do estado deplorável de tudo que nos pertencia, inclusive nossa dignidade.

A visita durou menos do que eu esperava e quando o guia se despediu, olhei através das imensas janelas históricas e meu coração se encheu de melancolia. Lá fora ainda chovia.

Suspirei fundo e contei nos dedos os dias que me restavam. Juntei um punhado de coragem que me restava, abri meu guarda chuva e saí, dessa vez, reticente.

Parei na calçada e abri meu mapa. Os pingos enfurecidos surravam o papel e o mapa emprestado ficou imprestável.

Olhei para um lado, olhei para o outro. Guardei o mapa na bolsa. Coloquei o rabinho entre as pernas e rumei de volta para o “lar doce lar.

sábado, 20 de novembro de 2010

Meu Porto



Há 3 dias voltei de uma viagem que fiz a Porto Alegre, no RS. Não sei se é o sotaque cantado, o tom mais claro ou apenas a intimidade que as ruas me transmitem, mas algo naquela cidade simplesmente me fascina. Lá é boa companhia na certa.





Atravessei o país para me deparar com imensos jacarandás adornando as ruas com túneis em tons de lilás vivo. As sibipirunas contrastavam o seu amarelo com os bonitos dias de céu azul que tive a sorte de presenciar. Porto Alegre me recebeu de braços abertos.



Paul McCartney me arrancou gritos, lágrimas e longos suspiros. Realizou meus sonhos e se fez eterno de tantas formas diferentes em uma lembrança concreta, sólida, palpável. Fui levada a um patamar sublime de sensações e tanta era a minha alegria que ali virou meu porto seguro.




O que se faz quando todos os seus sonhos se realizam? Quando a sua expectativa é atingida? Ora, eu rezei para não acabar. Mas quando chorei foram os braços das estradas que acolheram minha dor.



Vaguei por ruas desertas e desconhecidas. Passei frio e a solidão me doeu. Sentei num café e li horas sob a luz de um arco-íris, e nunca me senti tão em paz.



Deitei embaixo de cobertas quentes de uma enorme cama de casal pra um.

E quando os meus medos se tornaram realidade foi o meu pranto que me fez dormir...


Voltei com a lua a me escoltar do lado esquerdo da minha janela. Ela apareceu as duas horas da tarde e me acompanhou até o momento que os meus olhos inchados cederam à fadiga.


Gato preto cruzou o meu caminho, pode alguém pensar em desatino, mas pra mim foi mais do que simples instinto felino.



Fui virada por frases soltas ao moinho, que nada tinham a ver com os meus domínios, mas os perdia quando me perguntava: “Então porque lugares tão bonitos?”


Me dei ao luxo de viver no meu sonho e me arranquei forças para curtir aquilo como a melhor fantasia. Foi, de fato, maravilhoso.


Voltei com lágrimas nos olhos. Porto Alegre me devolveu com um pouco menos de alegria.


segunda-feira, 5 de julho de 2010

Espera a chuva cair. (dedicado ao Tio Lú)

O sino da igreja badalava 12 vezes quando a sky apresentou os primeiros sinais de chuva. Pra quem nao sabe, nao há no mundo, nem nos sistemas da nasa, um melhor preditor de tempo do que a sky. Se a imagem começou a falhar, pode contar que é chuva na certa.


O sol se intimidou com a grande quantidade de nuvens e resolveu se enconder em algum lugar, e a noite chegou ao meio-dia. Abri a porta e gritei pela minha golden retriever, famosa por seu amor inenarravel por agua, e os primeiros pingos já se antecipavam...


Peguei uma sombrinha para cruzar a parte descoberta da casa até onde minha mãe estava e a agua, vinda do ceu, me lavou até as coxas. Fato este que apenas me comprova a enorme impotencia deste artefato perante nossas manifestações climáticas de rotina. (...)


A essa altura os cachorros se tremiam de medo dos trovoes e os raios nos distraiam num festival estroboscópico. A chuva caia ambundantemente.


Quanto tempo faz que voce nao toma banho de chuva?


Nao digo se enxarcar na chuva na saida do carro ate a porta de casa. E sim tirar os sapatos e deixar a chuva escorrer. Sem correr dela, sem medo de se molhar.


De chutar poças d’água sem a raiva de estar estragando o sapato. Levantar os olhos pro céu e sentir cada gota tocar o rosto ao inves de curvar a cabeça se preocupando com o cabelo.


Qual a última vez que você não insultou a chuva no meio de um dia de semana?


Que você se deixou repousar numa rede, com a umidade te fazendo brisa ao som sincronico e musical da água batendo no chão...


A chuva é boa companhia. Dias chuvosos dão arrepios, preguiça e vontade de pensar. Prende você a um bom livro, a um bom filme, a um bom abraço.


Manaus é tropicalmente chuvosa e poder apreciar a chuva, pelo menos de vez em quando, sem xingar os céus, é um grande privilégio.


Por isso, só hoje, ou na próxima vez, tire seus sapatos, solte os cabelos e aproveite a chuva!

Get over it!

Ser rejeitada é a pior das sensacoes. O mais impressionante é como a rejeicao nunca vem sozinha. Geralmente vem acompanhada de uma nota ruim, uma gripe ou uma batida de carro.


Sao aqueles dias que vc acha que nada mais pode dar errado e acaba com vc recebendo uma mensagem te chamando pra uma conversa.


As desculpas sempre sao as piores. Elas vem disfarçadas em todos os elogios de o quanto somos maravilhosas e perfeitas “demais”...


Quando voce vira as costas, vc comeca a se conscientizar que o proximo passo já é uma vida diferente da que voce tinha. Voce tenta se conformar com a ideia de que voce nao vai ter ninguem te ligando por volta das sete da noite e que ao encostar a cabeca no travesseiro voce nao vai ter mais novas lembrancas para sonhar acordada e dormir com um sorriso.


Voce chora um pouco, se convence que “é melhor assim” e dorme um sono inquieto.


O segundo dia é o mais difícil... ele começa com a sensação de que tudo era verdade... que não foi um sonho. Você arrasta o tempo entorpecida em distracoes que não surtem muito efeito e com o coração pesando uma tonelada.


A respiração é constantemente entrecortada por suspiros melancolicos e as musicas ressoam na sua cabeça, buscando qualquer resquício de saudade.


Por vezes você canta alto, dentro do carro. Por outras você chora baixo, olhando pro teto.


A noite chega e a lua te esnoba exibindo um brilho descomunal. Voce deita pra dormir mais cedo e o sono nao vem. As horas passam lentamente diante dos seus olhos enquanto voce revira na cama e a sua cabeça repousa no travesseiro molhado.


Seus olhos se fecham e voce pede a Deus que te adormeça, pede pra parar de pensar, pede pra esquecer e ,enfim, voce consegue dormir no meio de uma prece, as tres horas da manha.


O dia que se segue é mais analítico. Você procura encontrar motivos, respostas, consolos. Os pensamentos sao menos constantes mas ainda te pegam de surpresa e volta e meia a sua melhor amiga te cutuca porque, mais uma vez, voce tocou no nome dele.


Ainda que te machuque, voce coloca o cd que ele gravou pra voce pra tocar no carro. Arranja qualquer coisa pra te tirar de casa a noite.


Voce se arruma, se olha no espelho e nao se reconhece.


A madrugada é palco de sucessivas ilusoes e por alguns minutos voce acredita que tudo passou até que você chega em casa, acende a luz do seu quarto, deita na cama sem tirar a roupa ou mexer no edredon, e deixa o rímel escorrer pela fronha.


Em dias que voce acorda melhor e acredita que deu um passo a frente com um que de raios de sol, seu celular vibra com uma mensagem; dele!


A única coisa que voce consegue ler é a plavra “saudade” e é quando seu pé escorrega da beirada do poço e você cai novamente.

E dessa forma os dias reastejam, as semanas voam e você acorda no mês seguinte e a impressão é de que você ainda está dentro do carro com o rosto entre as mãos enxarcadas.


Você levanta em passos lentos, se olha de relance no espelho do corredor e pensa: “um dia passa”.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Missao impossivel... de alguem recusar!

Estou de malas prontas.

Disney, aí vou eu!

Pela milionésima quadracentésima quinquagésima terceira vez, eu vou.

Com muitos lenços e documentos, todos devidamente regulamentados e aprovados pela cada vez mais rigorosa embaixada americana.

Mais um vez, minha mala vai com poucas coisas.

Apenas o necessário: uniforme de guia, sempre em cores vergonhosamente chamativas, dois crachás (um titular e um reserva para as atrações mais, digamos assim, molhadas), celulares, roomlist, câmera fotográfica - agora a minha charmosa e talentosa Nikon D60.

E, lógico, minha maravilhosa e infalível bandeirinha!

Vou lá, como a cada seis meses eu vou.

Já tenho as rotas de cabeça. Os parques, de cor e salteado. Mas a emoção... Ah! Grande sapeca. Ela sempre me pega despercebida, essa danada.

Eu considero absolutamente impossível chegar ao Magic Kingdom, andar na mainstreet USA com o castelo da Cinderella de vista principal, e não se arrepiar. Não voltar a ser criança. E falo com propriedade.

Disney é isso: mexer com nossos sonhos de criança!

Ninguém é muito velho ou muito novo. Toda idade é a idade ideal para realizarmos nossos sonhos ou até mesmo, de repente, vivermos nossas antigas fantasias.

A vida, por si só, já tem muita realidade, não é mesmo?

Queremos sim, ver o mundo através de vitrines, experimentar voar de foguete e aterrissar em Marte.

Ir no “It’s a Small World”, passar o resto do dia assobiando aquela musiquinha grudenta e terminar o dia vendo a Sininho descer voando do topo do castelo.

Eu conheço todo e cada canto daquele lugar.

Cresci vendo meu pai, minha mãe, meu irmão e muitos amigos fazendo o que, hoje, eu já faço há 10 anos: levar pessoas para conhecer o mundo encantado criado por Walt Disney.

Cada vez que eu passo por isso é indescritível!

Sim, sei, você deve estar pensando: “Ah! Essa aí tá vendendo o peixe da Acram Turismo...”

Mas eu queria uma vez, pelo menos uma única vez, trocar de lugar com alguém que ache que eu possa enjoar de fazer tudo isso. Ou até mesmo que eu já enjoei.

É simplesmente maravilhoso ver uma criança olhando para os personagens dos filmes que as fazem sonhar e inventar mil e uma brincadeiras fascinantes.

Ver adultos se divertindo como nunca imaginaram ser possível.

Perceber o olhar de surpresa das adolescentes quando elas vêem que estão realmente ali.

É um mundo de magia. Diversão é a palavra de ordem.

E atenção, como diz meu pai: “criança é de 2 a 60 anos, a partir daí é adolescente!”

Eu aprendi com o melhor guia do mundo.

Lembro do meu primeiro grupo solo. Meu pai me dava as coordenadas e eu ia em frente, orgulhosa, deitando falação, sabendo que estava seguindo os passos do meu grande mestre.

Quando entrávamos na atração propriamente dita, ele vinha no meu ouvido e dizia: “Olha, explica mais isso... Enfatiza mais aquilo...”

Até que um dia, no Universal Studios, ele me olhou com cara de dever cumprido quando eu expliquei, sem titubear, a atração Terminator-3.

Após dizer a última palavra, foram as palmas dele que recebi! As melhores palmas do mundo. Eu havia chegado lá.

Pode parecer engraçado, mas sempre que vou entro na fila pra tirar foto com o Mickey.

Porque ir à Disney e não tirar foto com o Mickey é o mesmo que não ir e fim de papo!

Fogos, paradas, músicas, sons, água, quedas, elevadores, carrinhos, passeios...

E pensar que tudo começou com um simples camundongo. Fala sério!

A disciplinada hierarquia Isper

Desde que me entendo por ser pensante as coisas lá por casa funcionam da seguinte maneira: o que é do meu pai passa pro meu irmão e o que era do meu irmão automaticamente passa pra mim. Nessa ordem imutável.

E isso compreende as coisas mais variadas, começando por produtos eletrônicos, passando por carros e terminando em confortáveis camisas de botão, que os quilinhos a mais os impedem de usar – e eu adoro como roupa de casa o estilo “peça da escola pro dia dos pais”.

Não me entendam mal, isso é maravilhoso! Principalmente quando o assunto é gadgets eletrônicos, tecnologia de ponta e produtos de última geração que eu nem supunha existir.

Meu pai é um tecnology junkie e o Acram Jr. é uma cópia cuspida dele. Desde pequeno, meu irmão montava e desmontava um monte de coisas: carrinhos de controle remoto, videogames antigos, computadores do papai...

Ele sempre foi bastante curioso e cheio de idéias mirabolantes para o monte de fios coloridos colados em placas verdes que, a partir de seu toque pessoal, garantia, iria deixar o objeto “mais rápido, mais definido, mais alto, mais tudo”.

O primeiro videocassete da cidade foi comprado pelo meu pai. Ele trouxe “do estrangeiro”, numa de suas inúmeras viagens aos EUA, e passou vários dias brincando de descobrir todas as maravilhosas funções daquele aparelho revolucionário. E isso foi só o começo.

Perdi as contas de quantas vezes vi o laser disc do Michael Jackson servir de bucha de canhão para que papai testasse o som, que tinha que ser sempre no volume mais alto, de um novo produto adquirido. Se as paredes da casa não vibrassem como durante um terremoto, alguma coisa estava errada...

E quando estávamos, enfim, entrando no clima do “moon dancing”, ele pausava o aparelho, mexia nos fios lá atrás, invertia a posição de alguns conectores, voltava, recomeçava... E lá íamos nós tentar entrar no clima de novo.




As experiências do meu irmão com videogames foram incontáveis. Ele começou com o Atari e não parou mais. Nintendo, Super-Nintendo, Gameboy, Turbo-Express, Game Gear, todos eram comprados por ele assim que eram lançados e, evidentemente, sempre acabava pagando mais caro. Pior: não demorava muito, era lançado um outro que deixava aquele, digamos assim, obsoleto. Era aí que eu entrava.

Mr. Acram Jr., mestre supremo das negociações, trocava o seu novíssimo videogame por um determinado número de favores meus em um determinado período de tempo. Ele ficava bem na fita, já que posava de “bom moço” pro patriarca e ainda ganhava, de brinde, o novo aparelho que ele queria. E eu, por outro lado, torcia pra ele ganhar um novo aparelho porque sabia que um dia aquele também seria meu.

Os anos foram passando e, com isso, os interesses. Videogames já não me atraiam mais e foi a vez dos computadores. Eu “precisava” de um computador no meu quarto para trabalhos escolares e, lógico, passar horas conversando com amigos no mIRC.

Mais uma vez o maravilhoso desktop do meu irmão veio parar no meu quarto enquanto ele se deliciava com o que o papai tinha transferido para ele e o papai, por sua vez, abria as caixas do seu mais recente objeto de desejo.

Foram anos e anos até que eu percebesse que seria mais prático um notebook e daí já dá pra imaginar o que aconteceu...

Quando fiz 18 anos, o carro próprio era a meta. Herdei logo o rejeitado Scenic vinho de meu irmão. Não sabia muito bem como dominar aquela máquina e bati logo na segunda semana, aliás, pela segunda vez. A primeira foi um “arranhãozinho” lateral no portão de casa.

Quando o Scenic foi pro conserto, emprestei o Audi A3, fruto de uma penosa negociação com meu irmão, mas que, fugindo à regra, ainda estava virtualmente sob o controle do meu pai. Quando voltou o Scenic... Bem, evidentemente, eu já não queria mais saber dele.

Televisão foi uma das coisas de maior rotatividade. Até pouco tempo, a minha era uma fantástica Toshiba Lumina Line de 29”, que durante alguns anos reinou soberana e absoluta no quarto ao lado, até o aparecimento das incomparáveis televisões de plasma.

Não demorou muito para os geeks se sentirem ultrapassados pela concorrência e comprarem logo duas televisões de plasma, uma pra cada um.

No rescaldo dessa nova reciclagem, eu acabei trocando a minha Mitsubishi de 21”, que havia ganho num sorteio da feira de ciências da escola, pela lindona e bunduda Toshiba de 29”.

Bem, dessa vez (cá entre nós), o upgrade tecnológico demorou mais do que o previsto. Eu sempre me perguntava, olhando para o céu: “Quando será que o papai vai se cansar da TV dele pra dar pro Acram Jr. e eu, por conseguinte, ficar com a dele?”.

O tempo passava, o tempo voava, a poupança Bamerindus se afundava e o dois continuavam satisfeitíssimos com suas televisões de plasma. Por força das circunstâncias, eu aprendi a amar de coração a minha vintage.

Finalmente, meu pai se encantou por uma televisão maior e, por supuesto, ainda melhor. A caixa ocupava mais da metade da sala e, enquanto os dois se divertiam com os milhares de fios multicoloridos para serem conectados, eu dava pulinhos de alegria.

Meu irmão não contou história e foi logo trocando a dele pela antiga tevê do velho e em pouco tempo eu já estava com a minha maravilhosa TV de plasma com polegadas jamais antes experimentadas pelo meu humilde aposento.

E viva a vida em alta definição!